domingo, 27 de dezembro de 2009

Pastor, família e leais companheiros

Tratar de uma cabrada não é trabalho fácil...!

Por isso mesmo é essencial o trabalho de equipa... O Pastor Manuel é auxiliado, quando possível, pela sua esposa (Maria Helena), a sua bonita filha (Raquel) e claro o seus leais cães de gado transmontano (Socratas, Garça e Balu)!


Ainda dentro deste espírito Natalício deixo-vos algumas fotos desta grande equipa:











quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Vida de pastor...

Depois de muita confusão conseguimos (finalmente!) encontrar um colaborador/pastor a tempo inteiro, que além de jeito e muito saber, também tem gosto pelo que faz, o Pastor Manuel!

Poeta da natureza, respira o ar puro de montes e vales, trata os seu rebanho e auxiliares da missão (Os cães de Gado Transmontano) com carinho e eficácia.

Deixo-vos o video da saída da cabrada nos dias de neve:

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

É dia de fazer o fumeiro...!!

Trabalho prévio:
1. Levantar cedo!
2. Cortar pão em fatias finas;
3. Picar as carnes, previamente cozidas com ervas aromáticas recolhidas no campo no final do Verão;
3. Preparar as tripas, cortar e atar baraço a uma das extremidades.

Trabalho do momento:
4. Juntar Carnes, Pão e água da cozedura das carnes!

5. Adicionar alho cozido, azeite a fever e mexer muito bem mexido.

6. Deixar a massa a descansar (aproveitar para almoçar, para ganhar energia!!)


7. Encher as tripas:
Elemento A) vai abrindo as tripas;

Elemento B) vai enchendo a máquina com a massa;
Elemento C) encaixa a abertura da tripa na máquina* e liga-a. (elemento C' vai picando a extremidade, quando existe ar)

Elemento D) dá o nó na outra extremidade da tripa.

8. Pendurar as alheiras para secar.

9. Lavar a loiça suja e todo o espaço de trabalho.

(Homens transmontanos a lavar a loiça é uma raridade...!! Mas deve ser vivamente encorajado!!)
RESULTADO FINAL: 13 dúzias....!!!
(ufa.... que trabalheira...)
_________________________

*Nota - A máquina já é da nova geração... Na forma tradicional (com o funil) ainda demora mais tempo....
E para terminar deixo a frase que me foi ensinada hoje pela pequena Júlia: "Às 9h janta o rico e deita-se o pobre."

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

É bom acordar assim...



"Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

(...)

Augusto Gil - Balada da Neve


sábado, 19 de dezembro de 2009

Jantar de Natal em Alfaião*

Finalmente de regresso ao paraíso, onde as pessoas são diferentes, a comida tem um gosto diferente e temperatura é extremamente diferente fomos convidades pelo Sr. Presidente da Junta de Alfaião para o anual "Jantar de Natal da Comunidade de Alfaião" .

Fantástico!

Chegámos às 19h ao local combinado e deparamo-nos com um aglomerado de homens (e algumas poucas mulheres) à volta de uma grande fogueira com troncos de árvores a arder (lenha que dava para as próximas 24h...!); era a altura de socializar, enquanto grandes tachos fumegavam com algumas brasas da grande fogueira.

Após um sinal discreto as pessoas começaram a encaminhar-se para dentro da sala.

Embora o convite tenha chegado da mesa dos "presidentes", conseguimos sentar-nos num cantinho da sala, onde nos sentiamos melhor.

Para começar havia rabanadas, bolo-rei, pão, sumos e vinho (claro!) na mesa. Começaram a chegar Senhoras com tabuleiros de bacalhau cozido e outras com couves, batatas, cenouras, rabanos...

Ao chegar a nossa vez estavam as postas de bacalhau um pouco amassadas e estavam a fazer-se de difíceis para ser agarradas pelas pinças da Sra que nos servia, mas estamos em trás-os-montes, logo após algumas tentativas de colocar a posta de bacalhau do meu prato a Sra disse:
"Bôu, estás-te a fazer de díficil?! Já bais a ber!!"
Dito isto, deixa as pinças de lado e com a mão livre pega na minha posta de bacalhau e atira-a para o meu prato... Daí em diante, deixou de parte as pinças e recorreu sempre a este método mais "manual"... (não é preciso a ASAE ficar alerta, porque a dita senhora andou sempre com uma luva... e o meu bacalhau estava muito saboroso...!)
Comemos até não conseguirmos mais....! (que o diga o "Senhor Doutor" que tinha de ter sempre o prato a transbordar!)

A acompanhar o cafézinho (e o bagaço) veio o discurso.....ligaram o microfone... e o quadro da electricidade foi abaixo... Voltaram a ligar as luzes... ligaram o microfone... e o quadro foi abaixo... (este ritual repetiu-se 5 vezes, até que o Sr. Presidente decidiu falar bem alto para o seu povo...)

Políticos.... logo, começaram os agradecimentos, seguiu-se uma reza, novo discurso político, passou a palavra ao Sr. Presidente da Camara de Bragança e para finalizar a distribuição de prémios pela varanda mais bonita da aldeia!!

Foram chamadas 5 mulheres para receberem 25 € por terem as suas varandas floridas e bem arranjadas...! Fantástico!

Ainda foi dado um outro prémio de 50 € para a última criança que tinha nascido na aldeia!

Pensando eu que a noite estava terminada, após o final do discurso de distribuição de prémios um conjunto de mulheres de idade considerável, iniciaram uma música de despedida para os convidades, sem música de fundo nem nada...! Parecia música de igreja na verdade... Muito engraçado.

Na tentativa de ir embora, após as obrigações sociais, abandonámos o local quando se iniciava uma "concerto" de músicas de Natal com um Senhor e o seu acordeão...!

É bom estar de volta a este ambiente, a esta vida, a esta paz..!




* Alfaião é uma pequena aldeia, depois de S. Pedro.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Escapadela Pascal!!

Depois de muitas tentativas falhadas de arranjar um tempinho para vir ao, tão desejado, Norte (!) tornou-se possível, nesta época Pascal fazer esta viajem de relaxamento e renovação espiritual...


Aproveitando a altura dos folares e a pausa lectiva consegui, embora com "escassa" companhia, tirar uns sagrados 5 dias de férias da agitação e revolução Lisboeta!


Mesmo sendo férias relativas (pois as obrigações e deveres têm sempre de ser cumpridos) é com satisfação que me junto aos cachorros, aos cabritos, aos gatinhos e restantes seres vivos brigantinos...!


Como é habitual nestas viagens à terra distante e, ainda para mais, estando totalmente por conta própria, é uma altura excelente para desvendar capacidades escondidas pela falta de tempo do dia-a-dia...


Desta vez foi altura para testar o famoso arroz de couves... ou.. couves com (algum/pouco) arroz que já fez as delícias de muitos visitantes... e claro, como não podia deixar de ser, acompanhado pelo bacalhauzinho cozido....!


Para começar não está nada mal..!!! =D



domingo, 31 de agosto de 2008

Mais um Verão que passou...

Infelizmente terminam sempre cedo e depressa as férias em S. Pedro, independentemente do numero de semanas que lá estamos...

Lá passou mais uma emocionante e tradicional apanha da batata (incluindo almoço por volta das 9h da manhã com sardinhas assadas e tudo!!), uma Feira das Cebolas, uma sessão de comer melão a todas as refeições até já não conseguir mais...

Mas este ano as férias incluiram actividades muito diversificadas, pois foram exploradas diferentes componentes da nossa personalidade:
- Agricultor(a)/ Pastor(a) (confesso estou fraquinha nesta vertente, embora ainda tenha colaborado!)

- Médico(a) (com a grande ajuda da Clinica de Enfermagem Brigantina, que o proporcionou)

- Reporter do Discovery Channel!!

Sim, esta última vertente é novidade!

Passo a explicar... O meu querido Pai e a sua curiosidade genuína pela vida selvagem levou-o a tentar conhecer a fauna presente nos nossos terrenos inicialmente, e depois até Cova de Lua (aldeia no centro do Parque Nacional de Montesinho)!

O resultado foi engraçado... Desde raposas, javalis, corsas, gatos selvagens, cabras, ovelhas e respectivo pastor ou até mesmo apenas Senhores a passar foram registados....!

Deixo-vos aqui uma pequena amostra:







Foi mais um Verão que passou, repleto de experiências e vivências interessantes!

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Vamos "arrumar" as cabras...?



Pois é.. desengane-se quem pensa que a vida de pastor é facil...

Este fim de semana tive oportunidade de experimentar, muito fugazmente, um fim de dia diferente: eu e meu pai fomos ambos recolher o rebanho.

Parecia tudo muito bem, embora tivessemos que fazer uma viagem de 5h de regresso a Lisboa, ainda nessa noite e, para ajudar à festa, chovia "que Deus a dava!"

Chegados ao portão da cerca, surgiu logo um comentário prometedor: "Tamos feitos..!". A mim parecia-me tudo bem.. Mas o meu pai ao avistar as cabras todas espalhadas ainda no pasto, sem sinais de vontade de entrar no estábulo, previu dificuldades não esperadas.. ou pelo menos uma missão mais complicada do que o previsto!

Mas com algum esforço e persistência, enfrentando a tempestade, o verdadeiro pastor (eu continuava uma tentativa de aprendiz) conseguiu orientá-las para o local exacto, onde pastor e cabras chegaram "ensopados" até aos ossos...

Ordem seguinte: "Conta-as!". Ui... Agora é que ficou complicado.. Elas vinham todas a galope, a atropelarem-se, e era suposto eu conseguir conta-las...?!

Bem.. não foi fácil, mas foi possível...

Mais interessante e estimulante, já no interior do estabulo (sem apanhar chuva), foi mungir (e não mugir como me parecia que era dito pelos profissionais da área) aquelas que não tinham o leite saudável. Seguia-se a fase de juntar os cabritinhos órfãos que eficazmente e com muito mais jeito conseguiam esvaziar todo o leite que as "mães emprestadas" traziam.

Bem, até aqui parecia que nem estavamos muito mal.. Agora só faltava a outra parte do rebanho, (as de raça bravia) que eram muito mais selvagens e em muito maior número.. e que pastavam num outro sector da propriedade nas profundezas do vale, junto ao rio Penacal... Pelo menos essas pareciam mais desejosas de regressar a "casa", pois estavam em grupo aguardando que lhes fosse aberta a "cancela" de acesso à zona do "doce lar"..

Pois, aí a inexperiente pastora não conseguiu dar conta do recado e as cabras em vez de se dirigirem ao estábulo, desviaram-se um pouco, e subiram o monte seguinte... O resultado foi a desgraçada da aprendiz a correr que nem uma desalmada para a frente da cabrada para fazer com que mudassem de direcção. E o que não me parecia possível, voltou a acontecer.

Ao fim muito abanar de braços, muitas tentativas verbais, que elas devem ter entendido.. acabaram por se dirigir ao local apropriado... as "queridas", atenciosamente acederam ao pedido.

Problema seguinte: "Agora, vamos contá-las à entrada para a loja". Foi nova guerra para tentar que entrassem ordeiramente para o estábulo, mas tornou a ser possível!

Problemas acabados? Era bom... mas surgiu outro comentário preocupante: "Faltam 3!"

O que fazer...? Não havia muitas hipoteses: ir à sua procura ou deixa-las à sua sorte. A opção foi óbvia, bem como a divisão de tarefas: "Tu vais pa cima e eu vou para baixo.".

Lá foi mais uma caminhada (ou escalada) pelos terrenos selvagens que as cabras tanto gostavam de explorar, como muito mais perícia do que qualquer de nós.

Ouviram-se uns chocalhos, uns "balidos chorosos" já familiares e assim foi possível (mas não fácil encontrá-las). Depois de várias estratégias (quase militares) de abrir portões e orientar as cabras sem fazer com que estas se espantassem e ainda fugissem para lugares mais inacessiveis, elas regressaram à loja.

Estava missão cumprida! E além disso havia também um aroma especial na nossa roupa, uns cabelos molhados de uma mistura de suor e chuva, uma respiração ofegante e uma satisfação gratificante.

Não é fácil, mas é possível. Não dá lucro, mas dá satisfação. Dá preocupações, mas é divertido!
(This post has been edited by jmaspedro)

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Um passeio pela cozinha transmontana...


Sim, o objectivo deste post é deixar-vos a salivar e imaginar os deliciosos pratos que se fazem e comem lá por cima... Mesmo quando se trazem os ingredientes lá da terrinha não é a mesma coisa, fica sempre a faltar um gostinho especial...


Uma prova de como há qualquer coisa mágica na comida que é feita no Norte é que até eu, recente tentativa de amostra de cozinheira, consegui preparar algumas refeições! Entre cabrito, galinha, bacalhau e diversas sopas que tive oportunidade de experimentar, o que mais me agradou foi o nosso cabritinho no forno acompanhado com os nossos grelinhos (esquecendo o pormenor de as batatas terem ficado cruas... mas isso foi apenas um pequeno pormenor..).


É importante notar que todos estes pratos foram avaliados por diversos "exigentes" e esfomeados juris, que aprovaram sempre (como seria de esperar tendo em conta que não havia outra cozinheira "ali à mão").


Brincadeiras à parte achei importante dedicar 1 post a esta cozinha tão característica e saborosa, na qual tive oportunidade de me iniciar nesta época de "descanso", enquanto não trabalhava ou passeava ou as 2 coisas ao mesmo tempo (que ainda era melhor!)...


Para terminar aviso já que aqueles que nos derem o prazer de nos visitar e por sorte (ou azar...) me apanharem por lá ficam desde já alertados para a possibilidade de a cozinheira ser inexperiente, desajeitada, mas empenhada! Segundo o meu paizinho quando se cozinha com amor a comida fica sempre boa... (se ficar mal já sabem porque é... não culpem a cozinheira... ;) )

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Pôr da Lua


É verdade, nesta curta semana de férias descobri algo que até então desconhecia: o pôr da Lua.


Não tive oportunidade de apreciar ao vivo a beleza deste acontecimento, devido à sua precoce hora de ocorrência. Mas o meu pai, como bom madrugador, antes de se ocupar das suas tarefas pastorís teve o privilégio de apreciar e fotografar este mágico pôr da Lua.


Acredito também que esteja favorecido pela beleza natural desta paisagem transmontana. Fala-se muito do pôr do Sol e do nascer do Sol, mas realmente não se pode de todo desprezar este incrivel pôr da Lua.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

"Não há luar como o de Janeiro, mas logo vem o de Agosto que lhe dá no rosto!!"


Esta foi a mensagem que retive destas curtas férias transmontanas.
O luar de Agosto é fenomenal!!
No dia em que chegàmos, após o jantar, ainda fomos visitar o nosso gado (como bons pastores preocupados).
Depois de alguns instantes de adaptação à luz natural da noite, (eram já 21h), , parecia que tínhamos um holofote apontado na nossa direcção vindo do céu.
A lua estava enorme e brilhante.
Viam-se perfeitamente as sombras das cabras desenhadas no chão.
Os nossos cães (Cão de Gado Transmontano) saudaram-nos calorosamente também com as suas sombras numa dança nocturna...
Foi uma noite de luar memorável.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Queen



É com grande desgosto que venho partilhar convosco o desaparecimento da nossa Queen.
A Queen era uma cadela de raça Cão de Gado Transmontano. Era o nosso único canino de raça pura...

A Queen era uma cadela super meiga, apesar de só recentemente ter ultrapassado o medo de brincar com os humanos, pois os primeiros meses da sua vida foram vividos junto de humanos pouco dados a meiguíces... (sim, porque não é só qualidades.. o pessoal do norte também tem uns "costumes" algo primários, nem sempre de louvar...)

O que terá acontecido à Queen?
Há quem pense que comeu algo pouco saudável destinado ao seu primo lobo... (a velha e eterna guerra entre os pastores, os lobos e o Estado...)
Ou talvez tivesse sido uma ferida infectada que a tivesse deixado sem forças no meio do pasto... ( o que já não seria a primeira vez...)

Tenho pena que ninguém se tenha preocupado com o seu desaparecimento com mais antecedência, podia ser que ainda a tivessem encontrado com vida... mas não existem mais Zé Marias em São Pedro que se levantem às 5h da manhã para irem procurar uma simples cadela desaparecida..

Enfim, citando o nosso jamais esquecido ancião Ti Chico, "Mas Que Infelicidade..."

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Desculpem a Nossa Ausência...

... mas na verdade tem sido complicado dedicarmos algum tempo a este blog.

No entanto, tenho novidades!! ;)

Estamos a elaborar um site onde serão divulgadas todas as actividades relacionadas com as nossas cabras, desde o seu pastoreio até à elaboração de queijos, passando pelo nascimento dos cabritinhos.

O site que se encontra em construção não irá substituir este blog, funcionando ambos em simultâneo, mas com propósitos diferentes.

O site fica, deste modo, vocacionado para a divulgação das nossas actividades pastoris, enquanto que este blog fica com o objectivo de partilhar as alegrias e as amarguras deste tipo de vida campestre.

Desde já, um muito obrigada pela vossa visita e pelos comentários que têm deixado.

Assim que estiver pronto, anunciarei aqui o endereço do novo site.

Até breve.

sábado, 19 de maio de 2007

Os cabritinhos....































Uns a comer, outros a pular, outros a investigar e outros apenas a chatear... Mas de certeza sempre sem parar!

"Um Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes)"














Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite. Ora, o que pretendo mostrar, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe, como é dos mais belos que se possam imaginar. Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. E quem namora ninhos cá de baixo, se realmente é rapaz e não tem medo das alturas, depois de trepar e atingir a crista do sonho, contempla a própria bem-aventurança.

Vê-se primeiro um mar de pedras. Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus criador e dominador. Tudo parado e mudo. Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora. De repente, rasga a crosta do silêncio uma voz de franqueza desembainhada:
- Para cá do Marão, mandam os que cá estão!...

Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós?

Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena:

- Entre!

A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso.

A autoridade emana da força interior que cada qual traz do berço. Dum berço que oficialmente vai de Vila Real a Chaves, de Chaves a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Régua.

Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição.

Terra-Quente e Terra-Fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas. Nos intervalos, apertados entre os rios de água cristalina, cantantes, a matar a sede de tanta angústia. E de quando em quando, oásis da inquietação que fez tais rugas geológicas, um vale imenso, dum húmus puro, onde a vista descansa da agressão das penedias. Mas novamente o granito protesta. Novamente nos acorda para a força medular de tudo. E são outra vez serras, até perder de vista.

Não se vê por que maneira este solo é capaz de dar pão e vinho. Mas dá. Nas margens de um rio de oiro, crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe e a sede do leito que de baixo o seca, erguem-se os muros do milagre. Em íngremes socalcos, varandins que nenhum palácio aveza, crescem as cepas como os manjericos às janelas. No Setembro, os homens deixam as eiras da Terra-Fria e descem, em rogas, a escadaria do lagar de xisto. Cantam, dançam e trabalham. Depois sobem. E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo.

A terra é a própria generosidade ao natural. Como num paraíso, basta estender a mão.

Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde:

- Entre quem é! Sem ninguém perguntar mais nada, sem ninguém vir à janela espreitar, escancara-se a intimidade duma família inteira. O que é preciso agora é merecer a magnificência da dádiva.

Nos códigos e no catecismo o pecado de orgulho é dos piores. Talvez que os códigos e o catecismo tenham razão. Resta saber se haverá coisa mais bela nesta vida do que o puro dom de se olhar um estranho como se ele fosse um irmão bem-vindo, embora o preço da desilusão seja às vezes uma facada.

Dentro ou fora do seu dólmen (maneira que eu tenho de chamar aos buracos onde vive a maioria) estes homens não têm medo senão da pequenez. Medo de ficarem aquém do estalão por onde, desde que o mundo é mundo, se mede à hora da morte o tamanho de uma criatura.

Acossados pela necessidade e pelo amor da aventura emigram. Metem toda a quimera numa saca de retalhos, e lá vão eles. Os que ficam, cavam a vida inteira. E, quando se cansam, deitam-se no caixão com a serenidade de quem chega honradamente ao fim dum longo e trabalhoso dia.

O nome de Trasmontano, que quer dizer filho de Trás-os-Montes, pois assim se chama o Reino Maravilhoso de que vos falei

( Miguel Torga )