sábado, 19 de maio de 2007

"Um Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes)"














Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite. Ora, o que pretendo mostrar, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe, como é dos mais belos que se possam imaginar. Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. E quem namora ninhos cá de baixo, se realmente é rapaz e não tem medo das alturas, depois de trepar e atingir a crista do sonho, contempla a própria bem-aventurança.

Vê-se primeiro um mar de pedras. Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus criador e dominador. Tudo parado e mudo. Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora. De repente, rasga a crosta do silêncio uma voz de franqueza desembainhada:
- Para cá do Marão, mandam os que cá estão!...

Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós?

Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena:

- Entre!

A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso.

A autoridade emana da força interior que cada qual traz do berço. Dum berço que oficialmente vai de Vila Real a Chaves, de Chaves a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Régua.

Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição.

Terra-Quente e Terra-Fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas. Nos intervalos, apertados entre os rios de água cristalina, cantantes, a matar a sede de tanta angústia. E de quando em quando, oásis da inquietação que fez tais rugas geológicas, um vale imenso, dum húmus puro, onde a vista descansa da agressão das penedias. Mas novamente o granito protesta. Novamente nos acorda para a força medular de tudo. E são outra vez serras, até perder de vista.

Não se vê por que maneira este solo é capaz de dar pão e vinho. Mas dá. Nas margens de um rio de oiro, crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe e a sede do leito que de baixo o seca, erguem-se os muros do milagre. Em íngremes socalcos, varandins que nenhum palácio aveza, crescem as cepas como os manjericos às janelas. No Setembro, os homens deixam as eiras da Terra-Fria e descem, em rogas, a escadaria do lagar de xisto. Cantam, dançam e trabalham. Depois sobem. E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo.

A terra é a própria generosidade ao natural. Como num paraíso, basta estender a mão.

Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde:

- Entre quem é! Sem ninguém perguntar mais nada, sem ninguém vir à janela espreitar, escancara-se a intimidade duma família inteira. O que é preciso agora é merecer a magnificência da dádiva.

Nos códigos e no catecismo o pecado de orgulho é dos piores. Talvez que os códigos e o catecismo tenham razão. Resta saber se haverá coisa mais bela nesta vida do que o puro dom de se olhar um estranho como se ele fosse um irmão bem-vindo, embora o preço da desilusão seja às vezes uma facada.

Dentro ou fora do seu dólmen (maneira que eu tenho de chamar aos buracos onde vive a maioria) estes homens não têm medo senão da pequenez. Medo de ficarem aquém do estalão por onde, desde que o mundo é mundo, se mede à hora da morte o tamanho de uma criatura.

Acossados pela necessidade e pelo amor da aventura emigram. Metem toda a quimera numa saca de retalhos, e lá vão eles. Os que ficam, cavam a vida inteira. E, quando se cansam, deitam-se no caixão com a serenidade de quem chega honradamente ao fim dum longo e trabalhoso dia.

O nome de Trasmontano, que quer dizer filho de Trás-os-Montes, pois assim se chama o Reino Maravilhoso de que vos falei

( Miguel Torga )

10 comentários:

Anónimo disse...

com muita emoção valorizamos todo o esforço e dedicação à nossa terra! Dr. José Maria continue, com o apoio dos seus colaboradores (Mariana Rita e Pedro ) nós estamos sempre convosco. A equipa da Clinica de Enfermagem Brigantina

Anónimo disse...

Para lá do fim do mundo há um Reino Maravilhoso...Mas não é só a Mãe Natureza que o faz! Somos também nós, as Pessoas, que o podemos fazer. Com virtudes e defeitos, como todos... Mas, sobretudo (e isso faz toda a diferença) com Atitude. E o criador de S. Pedro de Serracenos tem-na!
Um abraço do colega e amigo oncologista. NG

Anónimo disse...

Com que então, Rita e Mariana, alegre surpresa fizeram ao vosso Pai com a criação deste blogue!
De facto, há um "reino maravilhoso" lá para os lados de São Pedro de Serracenos. Tenho o privilégio de o testemunhar e muita dificuldade em o descrever... Local paradisíaco, onde o silêncio se ouve e o descanso da vista é evidente ao observar o horizonte montanhoso... No entanto, este silêncio só é quebrado com o chocalhar dos badalos das cabras e com a postura do seu "comandante"(o cão que se vê na imagem...).
Penso que este projecto só teria sido possível com o vosso apoio e com o empenho, a dedicação e a determinação do vosso Pai. Parabéns!
Álvaro

Anónimo disse...

Mariana e Rita, é com emoção que acedo a este blog, no dia em que ouvi uma gravação (audio) que fiz há cerca de vinte anos da voz de pessoas de S.Pedro que já não existem.
Neste momento a paisagem está a ficar linda: as castanhas começam a cair e o frio já começa a pôr gelo nos ramos...como NG disse as pessoas também fazem a paisagem e, ao que parece esta nossa paisagem da qual reproduzem alguns trechos, sofre a ameaça de mais uma auto-estrada... que oxalá fique bem juntinha ao IP4, senão... olhem... continuem a fotografar, porque talvez seja esta a única forma de poder continuar a... recordar.
Um abraço do conterrâneo Raúl G.

Anónimo disse...

isto é lindo! isto é pura realidade da natureza. fico feliz por vos fazerens assim coisas bonitas.

Anónimo disse...

São Pedro de Serracenos....terra do meu avô Amadeu Martins Lopes. Acabei por ser baptizado em Cabeça Boa.

Tenho pena de não conhecer melhor S. Pedro, agora a terra do meu avô materno, Paradinha, conheço-a como a palma das mãos.

Luis Lopes (Luis_LPS@hotmail.com)

Anónimo disse...

sao pedro é uma terra maravilhosa e as suas paisagens deslumbrantes, sou morador recente embora a minha terra fique do outro lado do rio Penacal, igualmente linda, parabens por estas lindas fotografias, mostrando assim que trás-os-montes tem coisas maravilhosas.

quintino disse...

é sem dúvida um mundo maravilhoso, esse espaço verde chamado sao pedro de serracenos

quintino disse...

esse senhor jmaspedro é muito corajoso. há-de lembrar-se certamente daquele rapaz que lhe pedia uma melacia para ele e um melão para o pai. um abraço

Rita A. disse...

Sim, S. Pedro de Serracenos faz de facto parte do Reino Maravilhoso.

Obrigada pelos comentários, que embora nos entusiasmem para que continuemos a publicar no blog, a rotina do dia-a-dia, infelizmente, dificulta-nos bastante essa tarefa.